domingo, 17 de outubro de 2010

O mal da humanidade

(Gabriela Pujol Bell Fernandes – educadora)

A humanidade, o conjunto de homens, existe porque há a necessidade da vida. Existe nas relações dentro da necessidade de manutenção da sua própria existência e da existência de outras espécies em total dependência. Essas relações acontecem de acordo com as disposições de cada ser sobre aquilo que se busca. Por isso, os homens se relacionam da forma como melhor sabem fazer. E, é justamente sobre essa forma de se relacionar com o Outro, que Freud afirmou ser o mal da humanidade, a falta de afeto.
Em suas teorias psicanalíticas ele mostra que transferimos às relações nossos desejos. Buscamos o Outro e, no Outro, aquilo que precisamos para dar sentido e consagrar a nossa existência. Desde que somos concebidos existimos num meio social no qual nos constituímos sujeitos, e recebemos o que esse meio pode nos fornecer, crescendo assim, de acordo com essa estruturação física, psíquica e social.
Apreendemos o mundo através da nossa família e nos baseamos no contato com eles, como o exemplo de criança, jovens e adultos que seremos na vida. Por isso, pensar na colocação de Freud sobre o afeto é ir ao encontro de questões sobre as relações humanas serem boas ou ruins, complicadas ou saudáveis, e assim como cada um caracteriza a convivência com o Outro.
Dentro dessa perspectiva, vale o questionamento sobre como conduzimos a nossa vida. Temos afeto com aqueles que fazem parte da nossa caminhada? O que é ser afetuoso e transformar assim as nossas relações sociais?
O afeto é algo tão nobre quando se tem na mente o desejo de querer o bem e estar bem. Não é fácil, principalmente quando se cresce em um ambiente tão hostil sem qualquer palavra, gesto ou atitude que signifique confiança, apoio, respeito, enfim, o que representa o gostar, o querer estar próximo, o perceber a outra pessoa nas suas características e possibilidades.
Na perspectiva freudiana sobre esse assunto, a primeira relação, mais importante na vida de qualquer pessoa, é com a mãe. A pessoa que desde o início fornece e dá sustento à primeira necessidade que é a vida. Quando nasce, a forma como é amamentada e assim, desenvolve-se recebendo os cuidados com higiene, acalentada quando sente frio, dor, desamparo, cresce e assim, recebe afeto das pessoas da família como propôs Freud (1974) com a “Teoria da Transferência”, “as crianças até os seis anos de idade firmaram-se nas suas relações com as pessoas do mesmo sexo e do sexo oposto, achando-se mais ligada pelos pais, irmãs e irmãos. Um rapazinho está fadado a amar e a admirar o pai, que lhe parece ser a mais poderosa, bondosa e sábia criatura do mundo. Na segunda metade da infância, dá-se uma mudança na relação do menino com o pai – mudança cuja importância não pode ser exagerada. Descobre que o pai não é mais o poderoso, o sábio e rico dos seres; É nessa fase do desenvolvimento de um jovem que ele entra em contato com os professores, de maneira que agora podemos entender a nossa relação com eles. Transferimos para eles o respeito e as expectativas ligadas ao pai onisciente de nossa infância e depois começamos a tratá-los como tratávamos nossos pais em casa”.
Não só trataremos assim os professores, mas todas as outras pessoas e dessa forma, nos relacionaremos com o mundo. No livro “Mulheres que amam demais”, Robin Norwood coloca essa questão da seguinte forma: “existem vários tipos de famílias desajustadas, como famílias de alcoólatras, famílias violentas ou incestuosas, mas todas apresentam um efeito comum em crianças que nelas crescem: são crianças prejudicadas, até certo ponto, em sua capacidade de sentir e relacionar-se. Muitas vezes nos surpreendemos fazendo coisas que nossos pais faziam, as mesmas atitudes que prometemos a nós mesmos nunca ter. Isso ocorre porque aprendemos através de suas atitudes e até de seus sentimentos, o que é ser homem ou mulher”.
Sendo assim, ser afetuoso todo dia. Entender que não se pode mudar o passado, mas o futuro precisa ser diferente e temos condições de iniciar essa mudança hoje, no presente das nossas relações, construindo relacionamentos mais afetuosos, com mais demonstração de carinho, confiança, respeito, gestos que dão validade ao que o Outro nos mostra. Por vezes, temos perto de nós situações que realmente não precisariam acontecer então, sendo afetuosos com nossas próprias necessidades, respeitando as escolhas que formam nossa vida, saibamos transformar o mundo, que nos cerca e do qual somos tão dependentes, em um lugar mais pacífico e harmonioso.

Artigo publicado na Tribuna de Petrópolis – 4/10/10

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